Foi com profundo pesar que recebemos, no último
dia 23 de julho, a notícia do falecimento do escritor Ariano Suassuna, ocorrido
na mesma data, na Cidade do Recife, em decorrência de um acidente vascular
cerebral.
Romancista, dramaturgo, poeta, ensaísta e
idealizador do Movimento Armorial, que tem por meta fundamental a elaboração de
uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular do Nordeste do
Brasil, se fez o autor do Auto da
Compadecida e do Romance d’A Pedra do
Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta um dos mais fulgurantes astros
do firmamento literário nacional, assim como um dos mais notáveis cultores e
divulgadores das tradições pátrias em geral e nordestinas em particular. Daí
ser sua partida deste Mundo uma perda irreparável para este vasto Império por
nome de Brasil, que o tem, aliás, não apenas entre seus primeiros homens de
letras, mas também entre seus primeiros patriotas.
Ariano Villar Suassuna nasceu na Cidade de
Nossa Senhora das Neves da Paraíba, atualmente chamada João Pessoa, a 16 de
junho de 1927, sendo filho do Dr. João Urbano Pessoa de Vasconcellos Suassuna,
então Presidente da Paraíba, e de D. Rita de Cássia Dantas Villar. No ano
seguinte, havendo o Dr. João Suassuna deixado a Presidência da Paraíba,
retornou, com toda a família, para o Sertão, lugar de origem desta, que passou
a residir na Fazenda Acauã, no Município de Aparecida da Paraíba. Dois anos
mais tarde, durante a chamada Revolução de 1930, o Dr. João Suassuna, então
Deputado Federal, foi assassinado, no Rio de Janeiro, por partidários de seu
falecido rival, João Pessoa, que o acusavam de estar envolvido no assassínio
deste, fato que, aliás, desencadeara o aludido levante político-militar.
Em 1933, a família Suassuna, agora liderada por
D. Rita e bastante empobrecida depois da grave seca do ano anterior, que
dizimara praticamente todo o seu gado, mudou-se para Taperoá, no alto Sertão
dos Cariris Velhos da Paraíba do Norte, onde Ariano estudou as primeiras letras
e se ambienta, aliás, boa parte de sua rica obra literária, incluindo o auto e
o romance que mencionamos no início deste artigo.
No ano de 1942, mudou-se a família Suassuna
para o Recife, onde Ariano estudou no Ginásio Pernambucano, no Colégio
Americano Batista e no Colégio Oswaldo Cruz, no qual concluiu o ensino
secundário, ingressando, em 1946, na tradicional Faculdade de Direito do
Recife.
Entre os anos de 1946 e 1948, publicou, na
revista Estudantes, da Faculdade de
Direito, no jornal do Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina e em
suplementos de jornais recifenses, seus primeiros poemas ligados ao romanceiro
popular do Sertão Nordestino. Em 1947, escreveu a primeira peça teatral, Uma mulher vestida de sol, com a qual
ganhou, no mesmo ano, o Prêmio Nicolau Carlos Magno, do Teatro do Estudante de
Pernambuco.
Em 1948, inspirado no trabalho do poeta e
dramaturgo espanhol Federico García Lorca, principiou a fazer teatro ambulante,
sendo sua peça O desertor de Princesa,
que tinha então o título de Cantam as
harpas de Sião, montada, pelo Teatro do Estudante de Pernambuco, no Parque
13 de Maio, no Recife. No ano seguinte, escreveu a peça Os homens de barro e, em 1950, o Auto de João da Cruz, peça inspirada em folhetos da literatura de
cordel, pela qual recebeu o Prêmio Martins Pena, conferido pela Secretaria de
Educação e Cultura de Pernambuco. Ainda em 1950, formou-se em Direito e, em
virtude de doença pulmonar, se mudou para Taperoá, onde residiu até 1952 e
escreveu, em 1951, a peça para mamulengos Torturas
de um coração ou em boca fechada não entra mosquito.
Em 1952, após retornar ao Recife, começou a
trabalhar, como advogado, no escritório do Dr. Murilo Guimarães e escreveu a
peça O arco desolado, que mereceria,
dois anos mais tarde, menção honrosa no Concurso do IV Centenário da Cidade de
São Paulo, e que foi inspirada na peça A
vida é sonho, de Calderón de la Barca.
Entre os anos de 1952 e 1956, dedicou-se,
sobretudo, à advocacia, não deixando, porém, de escrever. São desta época, além
da aludida peça O arco desolado, as
peças O castigo da soberba, de 1953, O rico avarento, de 1954, e Auto da Compadecida, escrita em 1955, e
também o romance A história do amor de
Fernando e Isaura, que, inspirado na lenda celta de Tristão e Isolda, foi
concluído em 1956 e publicado apenas em 1994.
No ano de 1956, deixou a advocacia e se tornou
professor de Estética da Universidade Federal de Pernambuco, escrevendo, para
seus alunos, um Manual de Estética,
publicado, em edição mimeografada, pelo Diretório da Faculdade de Filosofia.
Lecionaria, ainda, na mesma universidade, Literatura Brasileira e Teoria do
Teatro, além de História da Cultura, esta última disciplina no curso de
mestrado em História da referida instituição de ensino. Ainda no referido ano,
passou a dirigir o setor cultural do Serviço Social da Indústria-Departamento
Regional de Pernambuco, permanecendo em tal cargo até 1960.
Em 1957, desposou D. Zélia de Andrade Lima, que
lhe daria seis filhos. No mesmo ano, com a peça O casamento suspeitoso, montada em São Paulo pela Companhia Sérgio
Cardoso, recebeu o Prêmio Vânia Souto de Carvalho, da Associação dos Cronistas
Teatrais de Pernambuco, e, com a peça O
santo e a porca, ganhou a medalha de ouro da Associação Paulista dos
Críticos Teatrais. Ainda em tal ano,
foi publicada, no Rio de Janeiro, pela Editora AGIR, a primeira edição do Auto da Compadecida.
No ano de 1958, escreveu a peça O homem da vaca e o poder da fortuna, e
recebeu, com o Auto da Compadecida, a
medalha de ouro da Associação Paulista de Críticos Teatrais. Foi considerado o “Melhor
Autor Nacional de Comédia” pela Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura
do Rio de Janeiro, então ainda Distrito Federal, e recebeu, ainda, o Prêmio
Vânia Souto de Carvalho e o Prêmio Samuel Campelo, ambos conferidos pela
Associação dos Cronistas Teatrais de Pernambuco.
Em 1959, já nacionalmente consagrado e
reconhecido como um dos principais dramaturgos brasileiros, escreveu a peça A pena e a lei, feita a partir de seu
entremês para mamulengos Torturas de um
coração; recebeu novamente os prêmios Vânia Souto de Carvalho e Samuel
Campelo, da Associação dos Cronistas Teatrais de Pernambuco, e, por fim, teve o
Auto da Compadecida publicado, em
tradução polonesa, pela revista Dialog,
de Varsóvia. No ano seguinte, formou-se em Filosofia pela Universidade Católica
de Pernambuco e escreveu, a partir de seu entremês O homem da vaca e o poder da fortuna, a Farsa da boa preguiça, que seria montada, um ano mais tarde, pelo
Teatro Popular do Nordeste, que também encenaria, em 1962, sua peça A caseira e a Catarina, escrita neste
último ano.
No ano de 1963, foi publicada, pela University
of California Press, a tradução do Auto
da Compadecida para o idioma de Shakespeare e de Ezra Pound. No ano
imediato, publicou, pela editora Imprensa Universitária, da Universidade
Federal de Pernambuco, as peças Uma
mulher vestida de sol e O santo e a
porca. A primeira versão desta última obra para a língua de Cervantes, de
Calderón de la Barca e de Lope de Vega seria publicada dois anos mais tarde, na
Argentina. Ainda em 1964, veio à luz a tradução holandesa do Auto da Compadecida, cuja versão
castelhana seria dada à estampa no ano seguinte, na Espanha.
Em
1967, foi o autor de A História do amor
de Fernando e Isaura um dos membros fundadores do Conselho Federal de
Cultura, ao qual pertenceu até o ano de 1973, nele convivendo com intelectuais como
Hélio Vianna, Adonias Filho, Octavio de Faria, Cassiano Ricardo, Gilberto
Freyre, Guimarães Rosa, Rachel de Queiroz, Josué Montello, Djacir Menezes,
Pedro Calmon, Afonso Arinos de Mello Franco, Peregrino Júnior, Gladstone Chaves
de Mello, Vianna Moog, Sílvio Meira, Gustavo Corção e Andrade Muricy [1]. Em
1968, tornou-se também um dos membros fundadores do Conselho Estadual de
Cultura de Pernambuco, de que igualmente fez parte até 1973.
Nomeado, pelo Reitor Murilo Guimarães, Diretor
do Departamento de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco em
1969, ocupou tal cargo até 1974. Ainda em 1969, a peça A pena e a lei foi premiada no Festival Latino-Americano de Teatro,
em Santiago, no Chile, e foi gravada, no Brasil, a primeira versão
cinematográfica do Auto da Compadecida,
sob a direção de George Jonas.
No ano de 1970, foi lançado, no Recife, o
Movimento Armorial, por ele idealizado, e foi publicada, em Paris, edição do Auto da Compadecida traduzida para a
língua de Victor Hugo, Balzac, Baudelaire e Mallarmé.
Em 1971, publicou, pela José Olympio Editora, do
Rio de Janeiro, o Romance d’A Pedra do
Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta, que, por ele classificado como
“romance armorial brasileiro”, é, em nosso sentir, não apenas sua obra-prima,
como também um dos grandes clássicos da Literatura Sertaneja, Nordestina e
Brasileira. No mesmo ano, também deu à estampa, pela Editora AGIR, a peça A pena e a lei, enquanto na então Alemanha
Ocidental, foi publicada versão do Auto
da Compadecida no idioma de Goethe, Hölderlin, Rilke e Stefan George.
Rachel de Queiroz escreveu, com razão, no
prefácio que fez ao Romance d’A Pedra do
Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta, que, em Ariano Suassuna, assim
como, em seu entender, em Villa-Lobos e Portinari, “a força do artista obra o
milagre da integração do material popular com o material erudito, juntando
lembrança, tradição e vivência, com o toque pessoal de originalidade e
improvisação” [2]. Como ponderou a romancista de O Quinze, o autor paraibano sempre olhou para o Mundo Sertanejo
“com a visão do exilado, ainda na adolescência arrancado ao seu sertão natal”,
por isso sempre o descrevendo “muito belo e mágico” e tendo “recuo suficiente
para descobrir o mistério onde os da terra naturalmente só veem o cotidiano”
[3].
Carlos Drummond de Andrade se referiu ao Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do
sangue do vai-e-volta, por ocasião de seu lançamento, como o
“extraordinário romance-memorial-poema-folhetim que Ariano Suassuna acaba de
explodir”, ressaltando o caráter “febril” do livro e a “fantasmagoria de suas
desaventuras, que trazem a Idade Média para o fundo Brasil do Novecentos” [4].
Carlos Lacerda, por seu turno, também por ocasião do lançamento do aludido
romance, afirmou que, “entremeado, todo o tempo, de símbolos e alusões, de
recordações e fantasmas”, é tal livro um “poço inesgotável de estudos
analíticos, livro de cabeceira para psicólogos e sociólogos”, assim como uma verdadeira
“explosão de maravilha”, que ousou comparar mesmo ao Dom Quixote de Cervantes [5].
Maximiano Campos, por seu turno, aduziu, no
posfácio escrito ao Romance d’A Pedra do
Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta, que, com aquela obra, o Brasil
encontrava um “grande romancista” em Ariano Suassuna, que já era, em sua
opinião, “seu maior dramaturgo”. Este “livro, mágico, violento e belo” é, em
seu sentir, um romance superior, como Grande
Sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, pertencendo, assim como esta obra,
ao número dos “livros que transcendem ao mero enredo e fabulação e nos fazem
ficar tentados a chamá-los de epopeias” [6]. Em tal romance vemos, ainda nas
palavras de Maximiano Campos, Ariano Suassuna “construindo, com o auxílio do
sonho e a força do seu poder criador, o seu castelo rude e poético, sertanejo e
barroco, áspero e iluminado como as terras do seu Sertão” [7].
Em 1973, com o Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta,
recebeu Ariano Suassuna o Prêmio de Ficção conferido pelo Ministério da
Educação. No ano seguinte, publicou, pela José Olympio Editora, a Farsa da boa preguiça e uma Seleta em prosa e verso; pela editora
Guariba, do Recife, a obra Ferros do
Cariri, e, pela Editora Universitária, da Universidade Federal de
Pernambuco, O Movimento Armorial.
Em 1975, foi nomeado Secretário de Educação e
Cultura da Cidade do Recife, cargo que ocupou até o ano de 1978, e deu à
estampa, pela Editora Universitária, a sua Iniciação
à Estética. Entre 1976 e 1977, publicou, na forma de folhetins, no Diário de Pernambuco, As infâncias de Quaderna, memórias da meninice do personagem-narrador do Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do
sangue do vai-e-volta, que tem, aliás, muito do próprio autor. Ainda em
1977, foram publicados, num só volume, o “romance armorial” História do rei degolado nas caatingas do
Sertão e a “novela romançal brasileira” Ao
sol da onça Caetana, e, em 1979, foi editada, em Stuttgart, tradução alemã
do Romance d’A Pedra do Reino e o
príncipe do sangue do vai-e-volta.
Em 1981, com o falecimento do Príncipe Dom
Pedro Henrique de Orleans e Bragança, herdeiro do trono brasileiro, Ariano
Suassuna, que era, desde a juventude, um militante da causa monárquica, se
autointitulando um “monarquista de esquerda”, abandonou o movimento monárquico,
desgostoso por saber que os dois filhos mais velhos de Dom Pedro Henrique, Dom
Luiz e Dom Bertrand, que passaram a encabeçar o referido movimento, eram
membros da organização “direitista” denominada Tradição, Família e Propriedade
(TFP). Segundo suas próprias palavras, tal desgosto não foi senão “o desgosto de que aquele meu
sonho, que eu achava tão bonito, tivesse acabado”, sendo tal sonho, por
seu turno, o sonho de ver “um príncipe que tomasse não o lado do Brasil
oficial, mas do Brasil real, do povo de Canudos” [8], do Império do Belo Monte,
ou “Império do Belo-Monte de Canudos”, como dizia [9].
Jamais, porém, deixou Suassuna de acreditar e
proclamar que a forma de governo mais adequada à Tradição Nacional e ao chamado
Brasil real é a Monarquia, que é, ademais, em seu entender, esteticamente “mais
bonita do que a república” [10].
Os mesmos motivos que levaram o autor da História do rei degolado nas caatingas do
Sertão a deixar a militância monárquica o levaram a anunciar, na mesma
ocasião, que se afastava definitivamente da Literatura. Poucos anos mais tarde,
contudo, voltou a escrever, iniciando a confecção de um novo romance, espécie
de continuação do Romance d’A Pedra do
Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta e que seria, segundo ele, sua
obra máxima, mas que, infelizmente, não foi concluído, tendo sido apenas
terminado o primeiro volume de tal obra, ainda inédito.
Em 1987, Suassuna deixou, depois de trinta
anos, de ensinar História da Cultura no curso de mestrado em História da
Universidade Federal de Pernambuco e, em 1989, deixou de lecionar Teoria do
Teatro, Estética e Literatura Brasileira na mesma universidade, se aposentando.
No mesmo ano, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, tomando, no
ano seguinte, posse da cadeira número 32 da chamada Casa de Machado de Assis,
cujo patrono é Manuel de Araújo Porto-Alegre, Barão de Santo Ângelo, e cujo
primeiro ocupante foi Carlos de Laet.
Em 1993, foi eleito membro da Academia
Pernambucana de Letras, na qual ocupou a cadeira número 18, cujo patrono é
Afonso Olindense Ribeiro de Souza. No mesmo ano, foi realizada, em São José do
Belmonte, nos Sertões de Pernambuco, a primeira Festa da Pedra do Reino,
cavalgada inspirada no romance de Suassuna.
No ano de 1994, foi exibida, na Rede Globo de
Televisão, uma adaptação da peça Uma
mulher vestida de sol, e foi publicado, pelas Edições Bagaço, do Recife, o
romance A história do amor de Fernando e
Isaura, escrito, como vimos anteriormente, em 1956. No ano seguinte, foi
nomeado, pelo Governador Miguel Arraes, Secretário de Cultura de Pernambuco,
cargo que ocupou até 1998, e foi exibida, na Rede Globo de Televisão, uma
adaptação da Farsa da boa preguiça.
Em 1998, foi publicado, no Recife, pela editora
Ancestral, o CD Poesia viva de Ariano
Suassuna e, no ano seguinte, pela Editora Universitária, o livro Poemas. Embora poucos sejam aqueles que
dão importância à poesia de Suassuna, é este, inegavelmente, um inspirado
poeta, sendo mister assinalar, ademais, que, como afirmou ele, a poesia era a
“fonte profunda” de tudo quanto escrevia, incluindo o teatro e o romance [11],
o que fica bem claro, aliás, para quem lê seus escritos em prosa, notadamente o
Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe
do sangue do vai-e-volta, que é, sem dúvida alguma, um dos grandes poemas em prosa que cantam o
Mundo do Sertão, ao lado de obras como Os
Sertões, de Euclides da Cunha, Terra
de Sol, de Gustavo Barroso, e Grande
Sertão: veredas, de João Guimarães Rosa.
Em 1999, foi exibida, na Rede Globo de
Televisão, em quatro capítulos, adaptação do Auto da Compadecida dirigida por Guel Arraes. Tal adaptação, que
teve enorme sucesso de público, foi convertida em filme de igual sucesso no ano
seguinte.
No ano de 2000, foi Suassuna eleito membro da
Academia Paraibana de Letras, passando a ocupar a cadeira número 35, cujo
patrono é Raul Campelo Machado, e recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal da
Paraíba.
Em 2007, em homenagem aos oitenta anos de
Ariano Suassuna, foi exibida, na Rede Globo de Televisão, a minissérie A Pedra do Reino, adaptação do Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do
sangue do vai-e-volta, sob a direção de Luiz Fernando Carvalho.
Em 2011, Ariano Suassuna se tornou Secretário
da Assessoria de Eduardo Campos, então Governador de Pernambuco, permanecendo
no cargo até abril deste ano. Sofreu a 21 de julho o acidente vascular cerebral
que o vitimou dois dias mais tarde.
Não podemos concluir o presente artigo a
respeito da vida e da obra do autor do Romance
d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta sem evocar o fato
de que teve este, em Taperoá, entre os anos de 1938 e 1941, seus dois primeiros
mestres de Literatura nos tios Manuel Dantas Villar, meio ateu, republicano,
anticlerical e de ideias socialistas, e Joaquim Duarte Dantas, católico,
monarquista e integralista. Foi, aliás, em grande parte, pela influência do
primeiro que se tornou Ariano Suassuna um homem que se proclamava “de esquerda”
e mesmo socialista, do mesmo modo que foi graças à influência do segundo que se
tornou o escritor patrício católico apostólico romano e monarquista, assim como
profundo admirador da figura d’El-Rei Dom Sebastião I “de Portugal, do Brasil e
do Sertão”, como diria [12]. Integralista talvez não tenha se tornado por não
haver conhecido o pensamento econômico e social do Integralismo, inspirado,
aliás, na Doutrina Social da Igreja, que o autor da História do rei degolado nas caatingas do Sertão admirava, a
associando, porém, equivocadamente, à “esquerda” e ao socialismo.
Da mesma forma, estamos certos de que, caso
houvesse conhecido a fundo a obra literária e religiosa de Plínio Salgado,
teria Suassuna nutrido pelo Chefe Nacional do Integralismo mais respeito do que
aquele já considerável que nutriu por este, apesar do autor da Vida de Jesus e de Primeiro, Cristo! havê-lo acusado de ser comunista e ter atacado
duramente seu Auto da Compadecida
[13].
Isto posto, cumpre sublinhar que, a despeito de
se proclamar “esquerdista” e mesmo socialista, foi Ariano Suassuna, ao longo de
toda a vida, um crítico tão ferrenho do comunismo quanto o foi do capitalismo
liberal e daquilo a que bem denominou “modernidade liberal” [14]. A propósito,
reputamos ser relevante transcrever aqui um breve trecho da entrevista
concedida pelo autor de As infâncias de Quaderna
à Folha de S. Paulo, em 1991, no qual fala de sua aversão ao marxismo e à
tirania soviética:
sempre
fui socialista, mas sempre tive horror ao marxismo. Eu acho o marxismo um
pensamento estreito, castrador. Eu não me entendia com os comunistas
brasileiros porque achava que eles agiam com faca de dois gumes, com pau de
dois bicos. Quando eu denunciava o imperialismo americano e me batia contra a
exploração americana no Brasil e coisa, eles batiam palma para mim. Mas quando
eu dizia que o stalinismo era uma ditadura horrorosa, assassina, era
considerado vendido aos americanos, a Wall Street. Eu sempre denunciei as duas
coisas [15].
Faz-se mister salientar, do mesmo modo, que Ariano
Suassuna sempre proclamou suas convicções católicas, defendendo corajosamente
princípios da Fé e da Moral Católica em diversas ocasiões, havendo sido, aliás,
muitas vezes chamado de “arcaico” em razão disto. Na palestra que deu no
Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília, a 18 de abril de 2012, na
inauguração do Auditório Ministro Mozart Victor Russomano, afirmou ele, com
efeito, que era católico e que sua “visão do mundo e do homem” era “uma visão
religiosa”, refutando, em seguida, a teoria da evolução, de Charles Darwin. Pouco
mais tarde, aduziu que, diversamente dos “herois” de Cazuza, que, segundo este,
morreram de overdose, seu “Heroi principal” jamais teve uma overdose, tendo
morrido na Cruz, entre dois ladrões, e ressaltou que era necessário sustentar
os valores religiosos e morais “sem ter medo de ser considerado arcaico” ´[16].
Joaquim Duarte Dantas, o tio católico,
monárquico e integralista de Suassuna, inspirou o personagem Samuel Wandernes,
ou Wan d’Ernes, como este preferia que escrevessem, do Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta,
assim como Manuel Dantas Villar inspirou o personagem Clemente Anvérsio, do
mesmo romance.
Promotor de Justiça de Taperoá e inspirado
poeta, foi Samuel Wandernes o criador do movimento literário denominado “Tapirismo
Ibérico-Armorial do Nordeste”, para o qual “onça é ‘jaguar’, anta é ‘Tapir’, e
qualquer cavalinho esquelético e crioulo do Brasil é logo explicado como ‘um
descendente magro, ardente, nervoso e ágil das nobres raças andaluzas e árabes,
cruzadas na Península Ibérica e para cá trazidas pelos Conquistadores fidalgos
da Espanha e de Portugal, quando realizaram a Cruzada épica da Conquista’”
[17], isto é, da Conquista da América Hispânica, Lusíada e Castelhana, que
Wandernes qualificou de autêntica “‘Epopeia’” [18].
Isto posto, cumpre enfatizar que o estilo de
escrita de Pedro Quaderna, protagonista e narrador do Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta,
e, por conseguinte, do próprio Suassuna, é, em suas palavras, uma “fusão feliz”
do estilo rebuscado do “Tapirismo Ibérico-Armorial do Nordeste” e do estilo
simples do “Oncismo Negro-Tapuia do Brasil”, criado pelo Professor Clemente
Anvérsio [19].
Samuel Wandernes não era um filho do Sertão,
mas sim um “‘um gentil-homem dos Engenhos pernambucanos’, como costumava dizer”
[20]. Depois de se formar em Direito pela tradicional Faculdade de Direito do
Recife, no dealbar do século 20, planejara aquele então jovem “‘poeta do Sonho
e pesquisador da Legenda’” escrever “uma obra-de-gênio intitulada O Rei e a Coroa das Esmeraldas”. Para a
feitura de tal “‘livro de tradição e de brasilidade’”, se dedicara a pesquisas
heráldicas e genealógicas sobre as famílias aristocráticas de Pernambuco,
antiga Nova Lusitânia, acabando por se deparar, no meio de tais pesquisas, com
a história da família Garcia-Barretto, chegando à conclusão de que o patriarca
de tal família, Dom Sebastião Barretto, não era senão El-Rei Dom Sebastião I de
Portugal, que teria vindo para o nordeste da Terra de Santa Cruz depois da
derrota de Alcácer-Quibir, no norte da África. Descobrira, ainda em suas
pesquisas, que a família Garcia-Barretto ainda sobrevivia, nos fundos do Sertão
do Cariri da Paraíba, estando viva, pois, a descendência do soberano “‘moço,
casto e guerreiro como o Santo que lhe deu o nome’” e que foi, em seu sentir,
um “‘Cruzado e cavaleiro medieval extraviado na Renascença ibérica’” [21], havendo
decidido então seguir para o Sertão, onde acabara por permanecer depois de ali
ter encontrado os supostos descendentes d’El-Rei Dom Sebastião.
Samuel Wandernes, que brilhava de modo singular
na “plêiade zodiacal e literária de Taperoá” [22], foi, ao lado de Pedro
Quaderna e de Clemente Anvérsio, fundador da “Academia de Letras dos
Emparedados do Sertão da Paraíba” [23]. Patriota, nacionalista e defensor da Fé
Católica e do retorno do Brasil “a seus caminhos”, ou seja, ao “caminho ibérico
e fidalgo dos Conquistadores e sertanistas” [24], era ele um profundo admirador
de Plínio Salgado, com quem tinha contato desde o tempo em que este liderara o
movimento literário denominado “Revolução da Anta” e a quem via como uma das
grandes “‘esperanças de restauração do grande império da Nova Ibéria’” [25].
Após a fundação, por Plínio Salgado, da Ação Integralista Brasileira (AIB), o
poeta fidalgo dos engenhos da antiga Nova Lusitânia entrou para tal
organização, fundando o núcleo integralista de Taperoá. Tinha até mesmo
“‘recebido um cartão de Plínio Salgado, com quem passara a manter relações de
amizade depois da visita que o Chefe Nacional fizera ao Sertão da Paraíba, em
companhia dos intelectuais paraibanos Hortênsio Ribeiro e Pedro Batista’, como
diziam na rua, deslumbrados com o prestígio de Samuel, pois o Chefe Plínio
Salgado, além de político, era um literato nacionalmente consagrado” [26].
Isto posto, cumpre assinalar que o personagem
Samuel Wandernes apresenta algumas posições que diferem sobremaneira daquelas
da Doutrina Integralista, a saber, um certo desprezo pelo povo e pelo Sertão e
mesmo preconceitos de ordem étnica contra negros e índios. Não sabemos se Joaquim
Duarte Dantas, que, como vimos, inspirou o aludido personagem de Suassuna,
tinha tais ideias, mas se as tinha, estava parcialmente em desacordo com os
princípios da Doutrina do Sigma.
Já
havendo nos estendido além do que pretendíamos, encerramos aqui o presente
artigo em memória de Ariano Suassuna, sublinhando, uma vez mais, que o
romancista do Romance d’A Pedra do Reino
e o príncipe do sangue do vai-e-volta, dramaturgo de O desertor de Princesa e poeta de Pasto incendiado é um dos primeiros vultos do firmamento literário
pátrio, tendo sido, em vida, ademais, um dos primeiros patriotas deste Império
de Santa Cruz-Brasil. E àqueles que nos censurarem por elogiá-lo, nos apontando
seus erros políticos e doutrinários e os defeitos que há em sua obra,
responderemos dizendo que não é por estar equivocado em algo que alguém está
equivocado em tudo.
Victor
Emanuel Vilela Barbuy,.
São
Paulo, 17 de agosto de 2014.
Notas:
[1]
Cumpre sublinhar que todos os intelectuais mencionados, com exceção de
Gladstone Chaves de Mello, Sílvio Meira, Peregrino Júnior e Vianna Moog, foram,
assim como Suassuna, membros fundadores do Conselho Federal de Cultura.
[2] Um romance picaresco?, in Ariano SUASSUNA,
Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe
do sangue do vai-e-volta, 8ª edição, Rio de Janeiro, José Olympio Editora,
2006, p. 16.
[3]
Idem, p. 17.
[4]
Trecho de texto citado na contracapa da 8ª edição do Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do
sangue do vai-e-volta, já aqui citada.
[5]
Trecho de texto citado na contracapa da 8ª edição do Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do
sangue do vai-e-volta, já aqui citada.
[6] A Pedra do Reino, in Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do
sangue do vai-e-volta, p. 745.
[7]
Idem, p. 754.
[8]
Entrevista publicada no jornal Folha de
S. Paulo em 26 de outubro de 1991. Disponível em: http://almanaque.folha.uol.com.br/leituras_16jun00.htm.
Acesso em 10 de agosto de 2014.
[9] Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do
sangue do vai-e-volta, cit., p. 7.
[10] Entrevista
publicada no jornal Folha de S. Paulo em
26 de outubro de 1991 e já aqui citada.
[11]
Idem.
[12] Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do
sangue do vai-e-volta, cit., p. 7.
[13]
Cf. Ariano SUASSUNA, Meu “comunismo”,
in Folha de S. Paulo, 31/08/1999.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz31089907.htm.
Acesso em 11 de agosto de 2014.
[14] Entrevista
publicada no jornal Folha de S. Paulo em
26 de outubro de 1991 e já aqui citada.
[15]
Idem.
[16]
Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5MDYKt7Bb0g. Acesso em 11
de agosto de 2014.
[17] Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do
sangue do vai-e-volta, cit., p. 50.
[18]
Idem, p. 62.
[19]
Idem, p. 50
[20]
Idem, pp. 165-166.
[21]
Idem, p. 166.
[22]
Idem, p. 177.
[23]
Idem, p. 183.
[24]
Idem, p. 188.
[25]
Idem, p. 246.
[26]
Idem, p. 254.
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